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Dia 27 de Janeiro de 1945 foi a data que as tropas soviéticas libertaram o maior campo de extermínio nazista, Auschwitz-Birkenau. Após uma Assembleia Geral houve a resolução 60/7 que marcava essa data como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto (não confundir com Yom HaShoá) já que em 2005, ano da resolução, marcava 60 anos da libertação do campo mais emblemático do terror nazista. Algo que parece ser esquecido ou ignorado por muitas pessoas é que não foram só os judeus que foram perseguidos, humilhados, roubados, torturados e mortos sistematicamente pelos nazistas, ciganos, polacos, homossexuais, deficientes físicos, deficientes mentais, comunistas, anarquistas, testemunhas de Jeová, opositores políticos e presos de guerra também entra nessa conta. O que evidencia ainda mais que a luta contra a opressão, desrespeito e descriminação não é só de um povo, mas tarefa de todo ser humano.
Na minha interpretação de Tikun Olam, todo ser humano vem ao mundo com a missão de transformá-lo em um lugar melhor para todos, não só para um ou para alguns. Por mais que não se tenha um plano de extermínio sistemático como o nazismo, ainda vemos muitos dos seus elementos presentes até hoje. Felizmente, de um modo geral, evoluímos muito e o combate a essas formas de discriminação e perseguição são mais combatidas hoje, mas infelizmente a injustiça e o preconceito ainda estão muito presentes até hoje. Todos os dias vemos notícias sobre indivíduos, grupos e organizações que nos dão esperanças sobre o futuro, ao mesmo tempo que todos os dias vemos notícias sobre antissemitismo, homofobia, racismo e outras diversas formas de opressão que dão a impressão que não se aprendeu nada com a história, principalmente a recente. Hoje, não temos que só ficar atentos aos sinais claros que remetem ao nazifascismo, também temos que ficar de olho no revisionismo histórico e científico, na pós-verdade e na distorção e manipulação de informações.
Tendo em vista essa data e a sua importância, preparei uma lista só de bandas e artistas com um posicionamento antifascista. E para começar, eu escolhi o imortal Woody Guthrie que creio já ter citado duas outras vezes. Ele veio de uma família pobre de trabalhadores rurais de Oklahoma que migraram para Califórnia no começo do século XX. Woody Guthrie, talvez a maior inspiração de Bob Dylan, fazia uma mistura de Folk com um pouco de Blues e Country com muito proteste. Suas músicas sempre falavam da vida do trabalhador simples e de lutar contra as injustiças sociais. Seu slogan, escrito em seu violão, era simples e direto “essa arma mata fascistas” e eu acho que isso já diz muito sobre ele. Como citei em outro momento, sua esposa era de origem judia, ele chegou a fazer músicas inspiradas em músicas judaicas e sua filha chegou a fazer parte de um grupo de Klezmer.
Woody Guthrie – All You Fascists Bound To Lose
Bob Dylan, que já citei por diversas vezes, talvez seja nosso “irmão” mais famoso e, assim como seu mestre, teve a maioria das suas músicas pautadas em combater as injustiças em relação a todos os povos. Não foi atoa que Dylan se destacou muito nos anos 60s por usar suas músicas como ferramentas para às mudanças que estavam acontecendo na sociedade ocidental, principalmente nos EUA. Sempre demonstrou seu apoio a luta de povos oprimidos como negros e indígenas, talvez por uma sensibilidade adquirida por vir de uma família judia ou simplesmente por bom senso. Eu escolhi Hurricane que, além de ser uma ótima música, ela foi um grande protesto contra a prisão injusta do boxeador negro Rubin “Hurricane” Carter por um assassinato que ele não cometeu, mas que tirou 15 anos de sua vida trancado em um presídio por causa de policiais racistas que manipularam provas contra ele. Foi um grupo de fãs que investigaram o crime por contra própria e conseguiram provar que não poderia ser ele por conta do depoimento envolvendo o carro usado no crime.
Bob Dylan – Hurricane 4
Neil Young deve ser o canadense mais querido da música nos EUA. Para quem não sabe ou não percebeu, ele passa despercebido como algum rancheiro de Montana facilmente. Ele e Bob Dylan tem muito em comum, mas talvez Neil Young seja mais para Rock e Dylan para o Folk e protesto (ele também faz aquela mistura gostosa de Folk, Rock e Country, mas está mais para o Country Rock). Young é do tipo de pessoa que, por mais que não fale disso o tempo todo como algumas pessoas, ele está sempre se posicionando sobre algum tema importante. Além da luta pelos direitos civis, sobretudo negros e indígenas, Young também é um fanático por carros e ambientalista, chegando a montar um Hot Rod (estilo de modificação que mescla elementos mais modernos com características antigas e vintage em carros feitos entre os anos 1920s e 1960s) elétrico ou em suas diversas manifestações contra guerras em geral. Young também exerce trabalho filantrópico que inclui ajudar diversas instituições como de crianças autistas, sendo pai de criança dentro do espectro.
Neil Young – Rockin’ In The Free World
Em 1999 surge Gogol Bordello na cidade de Nova Iorque. Trata-se de uma banda multiétnica de Gypsy Punk que unia Folk, Punk, música cigana, Klezmer, Polca e até música latina e Raggae em suas músicas geralmente bem humoradas. A banda ganhou relevância internacional com a ajuda de Madonna em 2007 e com a participação da banda, mas principalmente do vocalista Eugene Hütz no filme de 2005 “Uma Vida Iluminada” com roteiro e direção do ator judeu Liev Schreiber, protagonizado por Elijah Wood e com Eugene no papel de Alex, um jovem ucraniano que trabalha para a família ajudando judeus dos EUA a achar suas origens no leste europeu. Alex odeia o negócio da família e sonha e se tornas famoso nos EUA, mas tem que ajudar o seu louco e nervoso avô que acha que é cego (se sua cadela chamada Samy Davis Jr. Júnior) a levar o jovem colecionador Jonathan (Wood) a achar a origem de seus avós. O filme é uma verdadeira “dramédia” e não deixa de te surpreender o tempo todo. Em alguns momentos você fica apreensivo, dar risada ou fica emocionado. Eugene não tem origem judaica e sim russa e cigana, mas a banda já contou com dois israelenses, Ori e Oren Kaplan.
Gogol Bordello – Wonderlust King
Di Nigunim é uma banda de San Diego na Califórnia que une Klezmer com Anarco-Punk. Eu acredito que a grande maioria não irá gostar do som, mas eu acho bem animado e divertido, para além da agressividade já esperada. Eles são uma banda que presam por sua agenda política e se enxergam mais como ativistas do que como músicos em si. A grande maioria das suas músicas são de protesto ou judaicas ou misturando as duas. Quando coloquei a primeira vez, coloquei o único clipe deles que é da música “Fascist Degradation” e se passa numa festa de dar inveja numa casa cheia de pessoas diversas juntas e se divertindo. Parece até minhas festas, só que com menos baianos e mais judeus. Para dar um clima mais judaico ainda, coisa que eles já deixam claro em todas as músicas, escolho a versão de Havenu Shalom Aleichem.
Di Nigunim – Havenu Shalom Alechem
Dropkick Murphys é uma banda de Celtic Punk formada por típicos moradores de Boston de origem irlandesa e da classe trabalhadora. Não sei se todos integrantes ou ex-integrantes (são tantos) são de origem irlandesa, mas essa é a temática principal. A banda ficou bem famosa em 2006 por conta do filme “Os Infiltrados” de Scorsese com DiCaprio, Matt Damon, Mark Wahlberg, Martin Sheen, Jack Nicholson e Vera Farmiga (excelente filme para quem gosta de histórias de gangsters ou de temática irlandesa). Como a banda é boa, logo se tornou uma das mais importante do gênero que une Punk e Hardcore com elementos de música celta e tradicional irlandesa ou escocesa (Irish Drinking Songs). Basicamente as músicas giram em torno de ser irlandês, beber muito, ser trabalhador, perder a mulher, odiar a Grã-bretanha e mil e uma confusões. Caso não esteja enganado, Dropkick Murphy nunca teve uma posição política oficialmente definida. Eles têm muitas músicas que poderiam ser classificadas como pró-classe trabalhadora, o que contribuiu para aceitação dos punks, contudo, algumas condutas como fazer shows em bases militares para soldados rendeu acusações de militarismo e pró-guerra. Mas a prova cabal está em um show que assisti no Youtube em que o líder baixista e um dos cantores, Ken Casey, repara que do outro lado do palco, que estava cheio de fãs pulando e cantando como costumam fazer em determinado momento do show, uma das pessoas faz uma saudação nazista enquanto a banda tocava “TNT” do AC/DC (Música que grita “Oi!”, termo da linguagem coloquial britânica apropriado pelo movimento Street Punk/Oi! que une punks e skinheads podendo ser de esquerda, direita ou apolítico). Primeiro Ken para rapidamente para analisar e atravessa o palco rapidamente e confronta o possível nazista enquanto as demais pessoas nem percebem. Enquanto o sujeito tenta se explicar, Ken dá um único soco que o faz desmaiar e voltar para seu lado do palco e para seu baixo. Quando as pessoas percebem e mandam parar o show por conta da uma suposta briga, ele já nem estava mais lá e nem o cara. Eu desaprovo a violência na grande maioria dos casos, mas nazistas não tem que ter muita conversa, mas muita ação. Importante frisar que a banda é Celtic Punk, mas também é Street Punk/Oi!.
Dropick Murphys – I’m Shipping Up To Boston
Se eu fosse adentrar nos universos do Punk e Metal, eu poderia fazer várias listas de quem é ou não um “antifa”. Porém, quando eu coloco bandas desses gêneros, eu sei que muito provavelmente ninguém da SIB gosta das músicas, mas eu cito mais por uma questão de informação. Quando a pessoa é curiosa, mesmo não gostando de algo, ela se interessa e procura mais e mais informações. Inclusive eu creio que isso seja uma coisa crucial para se combater o nazismo e o fascismo, que no caso é estudar e compreender como nasce, se forma e atua. Em “A Arte da Guerra”, Sun Tzu já alertava sobre a necessidade de se analisar e entender seu inimigo, assim como grandes batalhas são vencidas não só no campo de batalha. E do mesmo jeito é importante aprender sobre seus amigos e inimigos, é importante combater a ignorância, o fanatismo e as mentiras para que o mal não alcance mais ainda pessoas. Inclusive isso pode afligir aqueles com boas intenções também, a pessoa sujeitada a informações distorcidas, rasas ou falsas podem reproduzir ideias que perpetuam formas de preconceito como antissemitismo ou racismo. Ou até mesmo acabar banalizando algo da grandiosidade monstruosa que foi o holocausto comparando com outros absurdos do dia-a-dia, mas sem mensurar suas devidas proporções. É relativamente comum vermos comparações de situações extremamente preocupantes e revoltantes ao holocausto, creio que isso é mais comum para aqueles que não entenderam a real dimensão do que foi o holocausto. Obvio que temos que combater essas injustiças e impedir para que um dia se torne algo similar ao que foi esse capitulo perverso da nossa história. Assim também como vemos a comparação absurda e superficial do Estado de Israel com a Alemanha nazista, mas basta comparar factualmente as duas realidades para perceber quão hediondo foi esse pensamento, muitas vezes baseado em achismos e informações tendenciosas.
Dead Kennedys, banda também já mencionada aqui, é daquelas bandas que falar demais é chover no molhado. Eles são extremamente políticos e satíricos. Todas suas músicas são uma crítica ácida acompanhada de uma pode se piada “pesada”. Mas se for para resumir a para além da música que é um Punk Hardcore, eles são contra todo e qualquer tipo de opressão e autoridade, geralmente reservando sua crítica para os governos e pró-povo. Acho que a música escolhida dialoga bastante com o tema, pois faz referência ao hino nacional da Alemanha Nazista que começa com a frase “Deutschland, Deytschland über alles” (“Alemanha, Alemanha acima de tudo”). Porém sua crítica não tem nenhuma relação diretamente com a situação atual, mas sim ao governador da Califórnia Jerry Brown (1975-1983/2011-2019) do partido Democrata como se ele fosse um líder supremo e diatópico estilo “1984” de George Orwell.
Dead Kennedys – California Über Alles
Muitas vezes aparece uma pessoa, ou desprovida de inteligência ou dotada de maldade, que não entende ou finge não entender como as coisas funcionaram até o nazismo chegar ao poder. O nazismo e fascismo (lembrando que nazismo e fascismo são movimentos ultranacionalistas de extrema direita fortemente conservadores e militaristas, porém o nazismo se difere do fascismo por, mesmo compartilhando uma ideia de superioridade cultural e até mesmo étnica, o nazismo se aprofunda no radicalismo e na perspectiva mais biológica) não tomaram o poder, eles foram gradativamente conquistando a sociedade com seu discurso de ódio e promessas e depois obteve o poder com apoio popular. Os judeus, e outros grupos, não foram assassinados logo de cara, foram perdendo seus direitos, sendo lesados, perseguidos até serem presos, torturados e mortos. Particularmente, não acredito que a grande maioria da população odiasse tanto assim não só os judeus, mas como tantos grupos específicos. Claro que, dando exemplo dos judeus, são gerações de mentiras, preconceito e conspirações que enraizaram diversas ideias negativas sobre o grupo. Eu imagino que muitas pessoas acabaram aderindo algumas ideias pelo pacote, sendo atraído por outras ideias compatíveis com a sua. Os judeus, como demais membros dos demais grupos citados, geralmente são vistos como uma espécie de estrangeiro ou cidadão de segunda classe no sentido de não ser visto como alguém que realmente faz parte de um determinado país. São vistos como diferentes que não se misturam ou que seria nocivo se misturar. Claro que digo isso numa perspectiva mais nacionalista como a do jovem “mauricinho” que me disse que “admira os judeus, mas que representam um risco para a unidade nacional” ou o provável fascista que foi educadamente defender o amigo nazista de uma situação tensa envolvendo meus amigos e eu, e me perguntou se “você é judeu ou brasileiro”. Interessante que no filme “This Is England” que aborda o movimento Skinhead inglês na sua fase inicial e o surgimento da vertente fascista quando o antigo membro que voltou com ideias ultranacionalistas/fascistas questiona o membro de família jamaicana se ele se sente mais inglês ou jamaicano enquanto estimula a xenofobia e fazia piadas racistas sobre negros e paquistaneses. Esse sujeito que conversei também comentou “não gostar, mas respeitar” homossexuais. Muito provavelmente ele nunca passou por uma situação traumática com um homossexual ou com um judeu, mas não gostava de ambos e preferia andar com um nazista sendo que era um sujeito negro, assim como a maioria do meu grupo na ocasião.
Um dos melhores e mais críticos discos de uma das minhas bandas favoritas, Ratos de Porão. Claro que ao longo de mais de 40 anos de carreira eles já falaram algumas besteiras, principalmente na juventude. Mas o mais importante que, além de ser uma das bandas brasileiras mais importantes do cenário internacional sendo reconhecida mundialmente, sempre foi uma banda extremamente politizada e isso só cresceu com a maturidade deles (tudo bem que essa maturidade demorou um pouco). Mas, além de músicas boas e agressivas, os Ratos sempre souberam fazer excelentes críticas a elementos, agentes e instituições da nossa vida civil individual, social e política. Eles sempre souberam revezar ou mesclar bem o humor ácido com a crítica agressiva numa sonoridade que foi do Punk ao Hardcore e Crossover. O disco Brasil de 1989 continua extremamente recente e com observações latentes até hoje. Então, mantendo um diálogo com o tema, a música escolhida foi “Farsa Nacionalista”.
Ratos de Porão – Farsa Nacionalista
Eu tive o prazer de encontrar com Odair José, um grande mestre do Brega e da música brasileira de um modo geral, em um festival que participei com a Ivan Motosserra Surf&Trash chamado Goiânia Noise. Inicialmente eu estava um pouco nervoso por ser essa figura mítica que cresci ouvindo e por tá me sentindo um pouco chato de ir pedir um autógrafo no CD para meu pai. Acontece que ele foi extremamente gentil e fofo puxando até o abraço. O show, que contou com alguns clássicos, focava mais em suas músicas atuais. Mas não pode deixar de reparar o seu posicionamento que pode até não ficar claro em primeiro momento, mas que soube sempre se colocar de forma sutil. Ou analisar algumas músicas, principalmente do álbum que foi a primeira ópera rock brasileira “Filho de José e Maria”, assim como sua postura em shows e as ideais que desenvolve em algumas entrevistas, vemos o caráter antifascista desse cantor brega que não é nem um pouco conhecido por isso.
Odair José – Nunca Mais
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