Em Leilui Nishmat das pessoas que sonharam com a liberdade nesse mundo e longos e numerosos dias contados para as pessoas que sonham com a liberdade nos dias de hoje e no futuro.

Essa semana estamos lendo porções da Torá referentes as festividades de Chag Pessach e Chag Matzot, mais especificamente as porções do Sétimo e Oitavo dia de Pessach/Matzot depois de termos saído há sete dias do Egito, às pressas.
O sétimo dia de Pessach/Matzot é um dia que a tradição judaica comemora dois eventos: a travessia do Mar dos Juncos (ou Mar Vermelho)e a canção do Mar (Shirat HaYam, apesar de também termos um Shabat especial na leitura anual da Torá - Shabat Shirá que cai na Parashá BeShalach). A Ketubá del Seten Dia de Pesah (ou כתובה ליום השביעי של פסח – Ketuba Le-Yom Ha-SheBi`i Shel Pesah, é uma canção em Ladino que fala de um dos contratos de casamento entre o Eterno e o povo judeu que aconteceu nessa época.
O oitavo dia de Pessach/Matzot é o dia que a tradição judaica comemora a redenção de Israel, inclusive muitos judeus têm o costume de fazer a Seudat Mashiach em lembrança ao tempo futuro do Mashiach. O número oito tem relação com a transcendência e está acima do natural, do número sete. Além disso, invocamos a memória de nossos antepassados por causa da festa e alguns judeus acreditam que eles estão mais presentes e nos “visitam” durante as festividades e ocasiões especiais.
Gostaria de comentar sobre a Canção do Mar (Shirat HaYam) que retrata muito bem esses últimos dias de festa:
Shemot (Êxodo 15):
“Az Yashir Moshe UVene Israel et Hashira Hazot LAdonai vaiomeru lemor: Ashira LAdonai Ki Gao Gaa, sus verochvo rama bayam…”
A Canção do Mar é um texto magnífico, que reúne dentro dela, a história, o conto, a canção, a cantilação, a poesia, a prosa e vários outros estilos literários. Foi construída para que fosse memorizada, cantada e recitada de memória publicamente até exaustão, transmitida de geração em geração por qualquer israelita ou judeu de qualquer tempo, inclusive por nós. Isso, na verdade, é para ser feito com todo o texto da Torá em primeira instância, porém existem textos que são destacados pela própria Torá que não podem ser esquecidos de forma alguma nem pelas crianças, mesmo que seja recomendado pela tradição que a leitura da Torá fosse feita apenas a partir de um Sefer.
A canção do Mar é um desses textos.
No caso, a Canção do Mar é construída na Torá em formato de Mar, com à disposição de frases em colunas alternadas, que dão a aparência dos movimentos das ondas do mar. Esse é o destaque que a Torá dá ao texto, um desenho para que fique memorizado no coração dos mais jovenzinhos.
A Canção do Mar é um texto de profecia, que alcança e versa sobre os três tempos verbais ao mesmo tempo, passado, presente e futuro retratando e atingindo o tempo de D-us, o tempo do Eterno. Pessach/Matzot são festividades que versam sobre os três tempos e sobre o tempo do Eterno. De uma certa forma, fala sobre o que aconteceu no passado com os israelitas, fala com aquele que está fazendo o Seder e a Seudat do sétimo e oitavo dia, como se fosse ele/ela mesmo que estivesse saindo do Egito e fala sobre a redenção futura do mundo, na figura do Eliahu Hanavi e Miriam Haneviá, no tempo do Messias e na ideia de que ano que vem estaremos em Jerusalém…
O texto da Canção do Mar fala sobre uma aparente contradição que existe na existência: Todos nós somos livres, mas temos limitações. Todos nós estamos debaixo de forças que regem a nossa vida. Comumente e nos tempos atuais devido a explicação da ciência, são as forças da natureza (leis físicas, químicas, biológicas...) que nos regem. É impossível viver sem ter alguma força que comande sua vida. Sempre há algum poder que está acima de você, cabe a você decidir qual “poder” deverá estar somente acima de você, talvez essa seja o livre arbitro e a liberdade de que tanto se fala, no caso a Canção do Mar fala que a Única opção seria o Eterno.
Na história, alguns povos quiseram atribuir ao Sol, a Lua, a Chuva e outras forças da Natureza, a instância superior de tudo, a qual nós nos deveríamos nos limitar e nunca desafiar por medo da “blasfêmia”. Com o tempo, os seres humanos atribuíram a instância superior para outros seres humanos que passaram a ganhar o atributo de divindade devido a força da violência que esses imprimiam não população e até os dias de hoje isso acontece por meio dos ditadores.
A canção do Mar é um grito de liberdade que inspirou tantos outros gritos como o discurso de Martin Luther King (I have a Dream, de uma travessia de uma passagem estreita (Mitzraim) aonde nós judeus, desafiamos os ditos poderes do mundo, desafiamos as blasfêmias e mesmo que pareça improvável, ultrapassamos esses poderes e apenas elegemos ao Eterno que seria a soma de tudo, a Existência, o Único que estaria acima de nós. Nesse contexto, no entendimento da Torá, o ser humano, seria um ser que possui a capacidade de desafiar os limites dos poderes da natureza mesmo que inicialmente e aparentemente possa não ter força para isso. O ser humano é capaz de construir e se desenvolver ao ponto de dominar qualquer força ou poder do mundo ou do universo com o passar do tempo.
A canção do Mar mistura e coloca no mesmo patamar os poderes da Natureza com os poderes dos deuses, do Faraó, do seu exército, dos cavalos e cavaleiros, porém ninguém é superior as forças do Eterno. Numa espécie de guerra mitológica, batalha dos deuses, o Eterno subjuga todos os deuses da Natureza e do Egito e se coloca na posição acima do Faraó ao fazer passar todos os egípcios, incluindo o Faraó pelo julgamento de “Osiris”, onde todos são reprovados por terem o coração mais pesado do que a pena…
Na mitologia egípcia, qualquer egípcio deveria ser julgado depois que morria, no tribunal de “Osíris” onde havia os processos de vida e morte, onde o falecido descobria seu destino no além-vida, com uma balança aonde se pesava o coração do indivíduo de um lado e a pena da deusa Maat (escriba da justiça, verdade) de outro lado. Se seu coração fosse mais pesado que a pena, o réu recebia o “peso da pena”, deixava de existir e seu nome era riscado… (É uma representação do destino que era jogado pelos egípcios no jogo de Senet). No caso, o Eterno passou a fazer o papel de juiz, julgando todo o Egito, incluindo o Osiris, todos os deuses do Egito com as 10 makot-10 pragas (Hápi - sangue no Nilo; Heqet - rãs; Tot - piolhos; moscas - Ptah, Tot; Morte dos bois, vacas e animais- Ápis, Hator, Nut; pústulas - Neite; chuva de pedras- Osiris, Íris ; gafanhotos- Xu, Sebeque; escuridão-rá) o faraó e o filho do faraó- Amon rá- morte dos primogênitos e de todos os egípcios.
“Mi Chamocha BaElim Adonai, Mi Chamocha Needar Bakodesh, Norá Tehilot Osse Felê…”
A expectativa da canção do Mar é que exista um mundo onde a pluralidade seja uma realidade e que o Eterno seja a Única força de instância superior para todos do planeta terra. Parece contraditório como é a liberdade (a escolha com certas limitações) mas é a única maneira que nós, seres humanos temos de garantir o livre arbítrio para todos. Somente quando entendermos que somos todos iguais e que existe apenas uma Única instância superior, no qual ninguém deve subjugar ninguém e ninguém está acima de ninguém e não existem restrições e limitações pessoais, considerando o respeito ao próximo, entenderemos enquanto humanidade, o significado de liberdade. É esse será o momento em que os tempos verbais irão se misturar. O momento que antecederá a redenção do mundo e logo depois virá o tempo da profecia, o tempo do Mashiach…
“Adonai Yimloch Leolam Vaed…”
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Shemot 15 (Êxodo 15)
Então Moisés e os israelitas entoaram este cântico ao Eterno:
"Cantarei ao Eterno,
pois triunfou gloriosamente.
Lançou ao mar o cavalo
e o seu cavaleiro!
2
O Eterno é a minha força
e a minha canção;
ele é a minha salvação!
Ele é o meu D-us, e eu o louvarei;
é o D-us de meu pai, e eu o exaltarei!
3
O Eterno é guerreiro,
o seu nome é Senhor.
4
Ele lançou ao mar
os carros de guerra
e o exército do faraó.
Os seus melhores oficiais
afogaram-se no mar dos Juncos(Vermelho).
5
Águas profundas os encobriram;
como pedra desceram ao fundo.
6
"Eterno, a tua mão direita
foi majestosa em poder.
Eterno, a tua mão direita
despedaçou o inimigo.
7
Em teu triunfo grandioso,
derrubaste os teus adversários.
Enviaste o teu furor flamejante,
que os consumiu como palha.
8
Pelo forte sopro das tuas narinas
as águas se amontoaram.
As águas turbulentas
firmaram-se como muralha;
as águas profundas
congelaram-se no coração do mar.
9
"O inimigo se gloriava:
'Eu os perseguirei e os alcançarei,
dividirei o despojo e os devorarei.
Com a espada na mão,
eu os destruirei'.
10
Mas enviaste o teu sopro,
e o mar os encobriu.
Afundaram como chumbo
nas águas volumosas.
11
"Quem entre os deuses
é semelhante a ti, Eterno?
Quem é semelhante a ti?
Majestoso em santidade,
terrível em feitos gloriosos,
autor de maravilhas?
12
Estendes a tua mão direita
e a terra os engole.
13
Com o teu amor
conduzes o povo que resgataste;
com a tua força
tu o levas à tua santa habitação.
14
As nações ouvem e estremecem;
angústia se apodera
do povo da Filístia.
15
Os chefes de Edom
ficam aterrorizados;
os poderosos de Moabe
são tomados de tremor;
o povo de Canaã esmorece;
16
terror e medo caem sobre eles;
pelo poder do teu braço
ficam paralisados como pedra,
até que passe o teu povo,
ó Eterno,
até que passe
o povo que tu compraste.
17
Tu o farás entrar e o plantarás
no monte da tua herança,
no lugar, ó Eterno,
que fizeste para a tua habitação,
no santuário, ó Eterno,
que as tuas mãos estabeleceram.
18
O Eterno reinará eternamente".
19
Quando os cavalos, os carros de guerra e os cavaleiros do faraó entraram no mar, o Eterno fez que as águas do mar se voltassem sobre eles, mas os israelitas atravessaram o mar pisando em terra seca.
20
Então Miriam, a profetisa, irmã de Aharon, pegou um tamborim e todas as mulheres a seguiram, tocando tamborins e dançando.
21
E Miriam lhes respondia, cantando:
"Cantem ao Eterno,
pois triunfou gloriosamente.
Lançou ao mar o cavalo
e o seu cavaleiro".
Peço desculpas a todos vocês de antemão por quaisquer erros que eu tenha cometido. Fiquem à vontade para fazerem recomendações e correções ao texto.
Saulo Brandão de Aguiar (Beniamim Ben Avraham)
Amém!
Referências:
Chumash Torá - Rabbi Meir Matzliah Melamed ZT”L (Editora Sefer)
Chumash Torá - Rabbi Aryeh Kaplan ZT”L (Editora Maayanot)
Comentários do Rabbi Jonathan Sacks ZT”L em português (Site da Sinagoga Edmond Safra)
The Jewish study Bible : Jewish Publication Society Tanakh translation
I Have a Dream - Martin Luther King
Mitologia Egípcia, jogo Senet e o Livro dos mortos do Antigo Egito
Scalene - O peso da pena: https://youtu.be/UCiaq25qlWE
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