[Bemidbar 25:10 - 30:01]
Há dois eventos que gostaria de trazer para nossa reflexão conjunta, e que estão registrados nesta porção semanal.
Montagem sobre imagem de OpenClipart-Vectors por Pixabay
O primeiro é, obviamente, o desfecho do que ocorreu na porção anterior, em que Pinchas, o neto de Aarão, atravessa com sua lança duas pessoas em pleno ato sexual praticado à vista de todo o povo [Bemidbar 25:7-8]. O contexto aqui é importante, uma vez que havia uma estratégia moabita para desvirtuar o comportamento dos israelitas e torná-los adoradores do ídolo dos inimigos, tornando-os vulneráveis espiritualmente [25:1-2]. Para isso, as mulheres moabitas foram instruídas a seduzir os homens israelitas e, assim, fazê-los sucumbir. A santidade, ou seja, o respeito ao acampamento de um povo que deveria ter uma conduta ética de uns para com os outros, inclusive dos maridos para com suas esposas e vice-versa - algo que, por sinal, não era parte do comportamento moabita - estava ameaçado. Em outras palavras a atitude do israelita Zimri ben Salu, um nassí da tribo de Shim’on. ao deitar-se em público com Cozbi bat Tzur, filha de uma das famílias mais importantes em Moab [25:14-16], merecia ser tratada com o rigor da Lei, Afinal de contas, “em público” significava na frente de crianças, jovens, idosos e todo o povo. Se, nos dias de hoje, o ato fosse repetido, a polícia seria obrigada a prendê-los e atuá-los. Não seriam mortos, obviamente, mas teriam que pagar pela infração. Está na lei. O artigo 233 do Código Penal prescreve, "praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público". Punição? Passível de detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Não obstante o erro explícito do “casal”, os rabinos do Talmud não hesitaram em condenar a atitude de Pinchas como pontual, não podendo servir de exemplo para a sociedade ou para as gerações futuras. Segundo os rabinos, Pinchas só teve isenção e até aprovação por seu ato, por ter executado os dois em plena transgressão. Se Zimri tivesse visto Pinchas e, em um ato de defesa pessoal, o tivesse matado, o tribunal não poderia condená-lo, sendo seu ato julgado como legítima defesa.[Sanhedrin 82a:10]
O objetivo dos sábios era desviar o ser humano de ações baseadas no zelo religioso. O zelota, ou zelote, é aquele que se vê como alguém acima das autoridades instituídas, em nosso caso, a própria Torá, e quer determinar a partir de sua interpretação o que é a lei. Não é à toa portanto que o assunto é discutido no tratado Sanhedrin, o Grande Tribunal formado por 71 juízes. É a atitude arrogante dos que se veem acima dos outros e que simplesmente sequer escutam os posicionamentos opostos aos seus, muitas vezes trazendo falas com o propósito de encerrar a discussão a seu favor. Isso contrasta diretamente com a atitude dos sábios, que ficavam felizes não quando “ganhavam” ou quando “perdiam” uma discussão, mas quando a conclusão era um entendimento comum em relação à vontade do Borê Olam expressa na Torá.
O segundo acontecimento é a petição das filhas de Zelofechad [Bamidbar 27:1-12].
Analisemos juntos esse fato. Cinco filhas de um homem que morreu sem ter participado das rebeliões contra Moshé e Sharon, sendo, portanto, um membro respeitado dentro do povo e que teria seus bens transferidos para seus irmãos homens. Suas filhas, de acordo com a lei até aquele momento, não teriam direito à herança. Elas se põem de pé, ou seja, erguem-se em busca de seu direito. Não um direito previamente estabelecido, mas um direito baseado no que entendiam ser justo. Elas se colocam diante de Moshé e, respeitosamente, ou seja, com humildade, fazem sua súplica. Moshé consulta o Borê Olam, que estabelece que elas estão certas. A partir daí, a lei passa a incluir mulheres em situação semelhante à das filhas de Zelofechad.
No primeiro caso, Pinchas age à margem do que estava na lei. Ele toma uma atitude que vai ser compreendida como algo a não ser repetido. É algo pontual. A lei existe para ser devidamente aplicada, seguindo a metodologia dos juízes, analisando os fatos e buscando a justiça. [Sanhedrin 82a:10]
No segundo caso, essas mulheres buscam na Lei o conforto para sua agonia. Para elas, não era possível que o Juiz de Toda A Terra [Bereshit] não visse a injustiça à qual elas seriam submetidas e, de fato, o Borê Olam vê a justiça no que elas reivindicavam. Um exemplo para ser seguido em todas as gerações.
A Torá é viva. Não há como não perceber o dinamismo que ela nos apresenta ao longo da história. Longe de nós pensarmos num mundo sem a Halachá, a Lei Judaica. Longe de nós o entendimento de que ela está parada no tempo e que não tem nada de novo a nos dizer. Longe de nós!
Shabat shalom!
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