A história por trás da história
Era o final do século XIX em Paris, e os impressionistas franceses formavam um grupo unido de artistas. No entanto, algo aconteceu que abalou essa amizade e marcou um ponto de ruptura irreversível: o Caso Dreyfus. Camille Pissarro, o único artista judeu desse círculo de pintores, viu sua identidade judaica sendo lembrada de várias maneiras.
Camille Pissarro, Public domain, via Wikimedia Commons e Aron Gerschel, Public domain, via Wikimedia Commons
Pissarro, assim como muitos judeus franceses assimilados, não dava tanta importância à sua origem judaica. Sua mãe, porém, tinha uma opinião diferente, chegando ao absurdo de não falar com a esposa de Pissarro, que não era judia. A família de Pissarro era tradicional e mantinha tradições judaicas. Em uma carta revelada anos depois, seu pai pedia para que ele se juntasse à família para a refeição antes do Yom Kipur, o feriado judaico mais importante, por exemplo. Quando seu pai faleceu, Pissarro expressou seu luto seguindo a liturgia judaica tradicional, cortando as próprias vestes e "sentando o Shivá"
Apesar de Pissarro não explorar temas bíblicos em suas obras, críticos insistiam em compará-lo a Jean-François Millet, um artista profundamente católico cujo trabalho era influenciado pelo Antigo Testamento. Em uma carta de 1882, Pissarro comentou sobre essa comparação curiosa para um "hebreu" como ele.
Apesar de afastado da comunidade judaica, ainda assim Pissarro precisava enfrentar sinais de antissemitismo entre seus colegas impressionistas. Em 1882, Pierre-Auguste Renoir recusou-se a participar de uma exposição por não concordar com as posições políticas socialistas de seus colegas expositores. Ele escreveu ao organizador dizendo que não queria ser um "revolucionário" e que se juntar ao "israelita" Pissarro era considerado uma revolução.
Anos depois, em 1892, durante uma exposição impressionista, Pissarro foi alvo de comentários antissemitas vindos do irmão mais novo de Renoir. Pissarro compartilhou com Monet o abuso que sofrera, mencionando as acusações de que ele era um "intrigante sem talento, um judeu mercenário, praticando truques sujos". Embora Pissarro afirmasse que ignoraria esses comentários absurdos, ele não pôde deixar de se questionar se era um intruso no grupo.
Pouco tempo depois, em 1896, Pissarro escreveu uma carta de agradecimento e encorajamento a Bernard Lazare, um jovem crítico literário e anarquista assimilado judeu, que havia escrito um panfleto sobre o antissemitismo. Lazare foi um dos primeiros a reconhecer não apenas o antissemitismo generalizado na cultura francesa, mas também a inocência de Dreyfus. Por sua vez, Pissarro já estava convencido da inocência de Dreyfus antes mesmo de Émile Zola publicar seu famoso artigo "J'Accuse" em 1898.
Quando o Major Ferdinand Walsin Esterhazy, responsável por vender segredos militares aos alemães e incriminar Dreyfus por traição, foi considerado inocente em um tribunal militar fechado em janeiro de 1898, Zola decidiu expor a injustiça em uma carta aberta intitulada "J'Accuse". Zola acusou o exército de conspirar contra Dreyfus e pediu a reabertura do caso. Embora Zola tenha sido considerado culpado de difamação e tenha sido forçado a fugir da França, seu artigo mobilizou o campo pró-Dreyfus, conhecido como dreyfusards. Monet, um amigo de longa data de Zola, assinou imediatamente o abaixo-assinado "Manifesto dos Intelectuais" em apoio a Dreyfus. Pissarro também quis adicionar seu nome à petição.
A relação entre os artistas impressionistas só se deteriorou a partir daí. Pissarro teve seu último encontro com Degas, que se tornara cada vez mais antissemita. Degas expulsou uma modelo de seu estúdio por expressar dúvidas sobre a culpa de Dreyfus e, a partir daquele momento, Degas e Renoir se recusaram a cumprimentar Pissarro na rua.
A tristeza dessa divisão entre os artistas foi agravada pelo fato de Pissarro ter falecido em 1903, três anos antes de Dreyfus ser reintegrado ao exército. Pissarro não viveu para ver seus colegas dreyfusards vencerem a batalha por justiça.
O Caso Dreyfus não apenas abalou a sociedade francesa, mas também revelou as tensões e divisões entre os impressionistas. Pissarro, com sua identidade judaica cada vez mais ressaltada, testemunhou a mudança de comportamento de seus amigos e colegas de trabalho. Foi uma época tumultuada na história da França, em que a luta pela justiça se misturou com questões de preconceito e discriminação.
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