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Parashat Korach

Judaísmo X Democracia - São iguais ou diferentes?

Nir Hirshman (ניר הירשמן) / Nir Hirshman Communication (Via WikiCommons)


Faz sentido diferenciar a democracia do judaísmo, como se ambos fossem coisas diferentes que se complementam ou que precisam ser harmonizados? O Judaísmo já não carrega em si de longa data, vários princípios similares aos da democracia? O judaísmo seria uma teocracia?


Essa semana estamos lendo a trigésima oitava parashá da Torá, que está no livro de Bamidbar(Números 16:1-18:32) que se chama Korach (Primo de Moshê). A parashá fala também sobre a relação entre a “democracia” e o judaísmo, já que o Korach, personagem que apresenta princípios que poderiam ser chamados atualmente de “democráticos”, em uma suposta contraposição a Moshe e Aharon, que são os representantes dos “Judaísmos”.


Bamidbar (Números) 16:1-3


“Korach, filho de Yitshar, filho de Kehat, filho de Levi, juntou consigo a Datan e Aviram, os filhos de Eliav e On, o filho de Pelet, descendentes de Reuven….

Eles confrontaram a Moshé, junto com duzentos e cinquenta homens dentre os filhos de Israel, líderes de assembleia, eleitos para reunião, homens de reputação….

Eles se reuniram ao redor, acerca de Moshé e Aharon e disseram:

“Tem muito, é muito para vocês! A assembleia inteira é separada, é sagrada e o Eterno está no meio dela. Então, por que vocês se colocam acima, sobre a congregação do Eterno?”


A reinvindicação de Korach tem vários fundamentos corretos. Não há um problema nos princípios que ele apresenta. Podemos elencar vários princípios que ele cita:


Todos são iguais perante a Lei, no caso, diante da Torá e do Eterno. (“A assembleia inteira é sagrada….”)

As decisões coletivas e soberania do povo (soberania popular ou da nação) são prioritárias, estão em primeiro lugar. (A assembleia inteira é separada, é sagrada e o Eterno está no meio dela)

As minorias possuem igualdade e equidade similar a maioria (“Então, por que vocês se colocam acima, sobre a congregação do Eterno?”)

A eleição é o método para escolha dos líderes do povo (“…líderes de assembleia, eleitos para reunião, homens de reputação…”)

O poder deve ser descentralizado, as decisões devem ser feitas em coletivo e deve haver um sistema de pesos e contrapesos para evitar as tiranias (Tem muito, é muito para vocês! A assembleia inteira é separada, é sagrada)


Em primeiro lugar, a Torá se mostra sendo mais antiga que o próprio conceito de democracia e contém em si o que hoje seriam os chamados princípios democráticos. Quem mostra e apresenta isso para nós de forma mais evidente é o Korach. Em relação a ser uma teocracia, ao contrário, a Torá se distancia bastante desse conceito. Apesar de haver um componente “Teo”, divino, a Torá respeita os princípios que estão ligados a democracia e liberdade, diferente dos demais povos e dos outros deuses da região do oriente médio, o que demonstra que é incompatível definir o sistema da Torá como uma tirania. O Divino, se apresenta como um conjunto de leis pétreas e flexíveis que estão ligadas a ética, a relação que há entre o homem e seu próximo e a formação de um povo e uma nação. Seria a mesma relação existente entre as constituições e as suas respectivas nações. Inclusive essa ideia vem da Torá e influenciou o mundo todo.


O mais interessante é que a tradição judaica nomeia uma das parashiot com o nome de Korach, porque é ele mostra diversos e vários princípios que são caros e importantes ao judaísmo. Então, apesar da grandeza e importância dos princípios que Korach demonstra, qual é o problema que existe com Korach?


Talvez ele, Korach, carregue um dos grandes problemas da “democracia”. Em toda democracia, há um gene que é responsável por sua própria destruição. A democracia é capaz de se destruir a si mesmo. E esse era o problema e a destruição que Korach quis trazer a congregação de Israel. O objetivo era usar os próprios princípios nobres “democráticos” da Torá contra a própria “democracia” que a Torá apresenta. Isso pode ser chamado atualmente como o paradoxo da democracia, ou paradoxo da tolerância, descrito pelo judeu Karl Popper.


Se todos esses princípios forem seguidos à risca, sem uma flexibilidade na aplicação deles, é possível que eles criem o “germe” que irá destruí-los. Todos são iguais perante a Lei, no caso naqueles tempos, perante a Torá, porém há exceções a essa regra. Alguém que queria destruir e apagar a Lei, esse não pode ser considerado igual perante ela, porque representa uma ameaça à estabilidade da ideia de igualdade e equidade entre os indivíduos.


Da mesma forma, as decisões coletivas são soberanas, porém elas não podem passar por cima da proteção aos indivíduos. Um exemplo desse, seria uma sociedade que aprovasse em sua maioria e de forma democrática, o extermínio de minorias(como o povo judeu), algo que já vimos na humanidade, na Shoá, por exemplo. Nem todas as ideias podem ser aprovadas com desculpa de serem da maioria e aparentemente democráticas.

A minoria também não pode impor os rumos dos demais, ou de toda a sociedade como uma justificativa para ser aceita e acolhida. Essa situação, no mundo atual, é uma exceção bem rara, porque na maioria das vezes, as minorias são oprimidas, e pouquíssimas vezes possuem status e poder para fazer isso. Mas a Torá nos lembra que a condição de Vítimas Algozes pode existir e é possível acontecer, como é a síndrome de Estocolmo. A minoria deve ser respeitada e protegida, deve haver proteção de garantias mínimas, respeito em relação suas as diferenças e sua diversidade (amar o “estrangeiro”, o “diferente”, o “estranho” 36x na Torá)


Nem sempre o processo eleitoral é o processo mais adequado para a escolha de líderes. Por exemplo, Hitler(que o seu nome seja riscado), foi eleito de forma “democrática”, num golpe de estado com a destruição de uma constituição democrática através da votação de uma maioria, em 1933.


Nem sempre descentralizar o poder é garantia de não haver tiranias. A descentralização pode evoluir para uma pulverização do poder e vagância de poder, o que leva a justamente aquilo que o sistema de contrapesos mais luta, que são as tiranias. Existem muitos países no oriente médio que passaram por esse processo e por não saberem lidar com processos democráticos, houve vacância de poder e depois instalação de tiranias.



Qual era o objetivo de Korach? Se passar de defensor da Torá para usar os princípios da Torá a fim de destruir aquilo que a Torá estabelece, e assim passar a ter poder concentrado em suas mãos e formar uma tirania. Isso é bem descrito no livro Como as democracias morrem, dos judeus Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.


O que a Torá nos ensina? Que não podemos ser tão tolerantes com Korach, ou seja, não podemos ser tolerantes com a intolerância, como dizia Karl Popper, porque corremos o risco de perdemos a Lei, a Torá, o monoteísmo ético, ou seja o padrão único de ética, apesar do respeito das diversas e inúmeras morais que existem.


O que acontece em Israel atualmente é um conflito semelhante ao que ocorreu entre Moshé e Aharon contra Korach. Um conflito entre o judaísmo ético, defensor dos princípios democráticos e o judaísmo aparentemente “religioso” que se escora na “democracia” e no “bem” para tentar implantar a sua tirania. O espírito de “Korach” ronda Israel e cabe ao povo judeu ter atenção, para não nos afastarmos cada vez mais da Torá.


O que o povo judeu e Israel precisam não é de mais “religião” e sim cada mais de Torá em sua mais pura essência, de monoteísmo ético, de princípios democráticos, de espiritualidade, não do espírito de Korach, mais do espírito de Moshé e Aharon que apesarem da simplicidade e humildade, não foram tolerantes com a única coisa que não podemos ser: com a intolerância.


Que HaShem possa afastar de Israel, o espírito de Korach e ao invés disso, fazer com que haja no país, o espírito dos “filhos de Korach” que fizeram parte de uma tradição que preserva a unidade ética e respeita as diferenças morais de um povo e de uma nação e isso está expresso nos Tehilim(42-49, 84, 85, 87, 88). Assim, como Am Israel e Medinat Israel seremos luz e iremos estar cada vez mais próximos da redenção e do conserto do mundo!


“Peço desculpas a todos vocês de antemão por quaisquer erros que tenha cometido. Fiquem à vontade para fazerem recomendações e correções ao texto”


Saulo Brandão de Aguiar (Beniamim Ben Avraham)


Amém!


Referências:


  • Chumash Torá - Rabbi Meir Matzliah Melamed ZT”L (Editora Sefer)

  • Chumash Torá - Rabbi Aryeh Kaplan ZT”L (Editora Maayanot)

  • Comentários do Rabbi Jonathan Sacks ZT”L em português(Site da Sinagoga Edmond Safra)

  • Veshinantam Ano 5, N 247 Parashat Korach

  • Rabino Nilton Bonder - Parashat Korach: https://youtu.be/1bMSgyhOsRM

  • O paradoxo da tolerância - Karl Popper

  • Como as democracias morrem - Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.

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