Montagem criada por Roberto Camara Jr.
As Parashiot desta semana falam sobre promessas e abstinências a que a pessoa se autoimponha. Podemos – e devemos – agradecer ao Eterno pela vida e pelas bênçãos que recebemos todos os dias; confiar em Sua providência e pedir por proteção em nossas aflições. Mas não devemos fazer promessas porque não sabemos se poderemos cumpri-las, já que não temos controle absoluto sobre nossas próprias vidas. A palavra é sagrada e desonra-la, um pecado. Por isso, em Deuteronômio 23;23, a Torá diz: “Se te abstiveres de fazer voto, não haverá pecado em ti”.
Porém, a Torá diferencia a promessa feita por um homem e por uma mulher. Se o for por uma mulher, caso o pai, o noivo ou o marido escutem e a desautorizem, ela estará isenta de pecado porque a promessa terá sido anulada - algo impensável nos dias de hoje, ao menos no mundo ocidental, por pressupor um domínio do homem sobre a mulher que não mais existe.
Em seguida, na sequência ao relatado na Parashá anterior – Pinchas – Moisés ordena a que se forme um exército com 12.000 homens – 1.000 de cada tribo, para combater os midianitas e matar a todos os homens. E, ao retornarem, indignou-se porque deixaram viver as mulheres, pois foram elas quem seduziram os israelitas, e determina que também sejam mortas, assim como os meninos. Os midianitas teriam argutamente planejado nos destruir pela fé no Deus único. Nos odiaram, não porque representássemos uma ameaça, mas apenas pelo que somos.
A história da humanidade é repleta de lutas e conquistas desde as suas origens. Conosco não foi diferente. Até hoje o mundo sonha com paz e convive com guerras. Ainda assim, temos gradativamente evoluído. A famosa expressão “olho por olho, dente por dente”, que nos soa cruel, já é em si uma evolução – antes, por uma ofensa, vingava-se não apenas o ofensor, mas toda a sua tribo.
Relatam também a nossa jornada desde a saída do Egito até a chegada à Terra Prometida. E o Eterno nos ordena a “desterrar” a todo o povo de Canaã e destruir seus templos e imagens. E acrescenta: “...os que deixardes ficar serão para vós como pregos nos vossos olhos e como cercas de espinhos à vossa volta e vos angustiarão na terra em que habitardes”. O convívio com os cananeus e sua idolatria fatalmente nos levaria à assimilação e à perda de nossa identidade.
A Torá é eterna. Foi, é e será para sempre o nosso esteio, o nosso farol, o nosso guia. Seu conjunto de leis inspirou constituições nos quatro cantos da Terra. Quando é retirada do Aron HaKodesh de nossas sinagogas, cantamos canções de louvor e levantamos o dedo mindinho, representando o “yud”, a menor das letras do alfabeto hebraico, simbolizando que tudo o que ali está escrito é sagrado. Contudo, no Yom Kipur costumamos omitir alguns trechos do Machzor por considera-los inapropriados, como citar castigos de açoites, chibatadas, extirpação e esterilidade.
O que é a Torá? Recentemente, em uma de suas aulas, o rabino Leandro Galanternik nos convidou a essa incômoda reflexão. Será um livro de história, literal? Um código de leis? Um romance que relata a saga do nosso povo? Foi escrita por um único homem ou por alguns autores separados pelo tempo? Pelas mãos de Deus ou sob Sua inspiração?
A Torá é sagrada e é eterna. Os hábitos, costumes e tradições das sociedades, não. A nossa religião se baseia na Torá, mas desde seus primórdios sustenta-se em relatos orais, mais do que escritos, e na contínua observação das demandas do mundo em incansáveis e profundos debates e decisões rabínicas. Ao final, sua eternidade não reside na perpetuação de práticas dos povos de milhares de anos atrás, muitas das quais nos causam desconforto comentar. Mas sim, na essência e na beleza de valores atemporais sustentados pela bondade e pela justiça. Valores que moldaram a nossa alma coletiva e que nos motivam a lutar todos os dias pelo Tikum Olam – o melhoramento do mundo. Que, lembremos, sempre começa por nós mesmos.
Shabat Shalom!
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