Quem nunca ouviu falar de Anne Frank( 1929-1945) e seu famoso diário? A menina alemã, radicada em Amsterdam, passou dois anos escondida da perseguição nazista e lá exercitou seus dotes literários, relatando a sua amiga “ Kitty”- nome que atribuiu ao seu diário - suas experiências, seus sonhos, suas amarguras e seus pequenos prazeres. O diário resgatado após a guerra, foi editado pelo seu pai Otto Frank e tornou-se um dos maiores documentos sobre a Shoah, ajudando a educar milhões de pessoas pelo mundo.
Maus, é uma das mais importantes graphic novels já produzidas e também retrata a Shoah ( já falamos desta obra em janeiro) e com uma abordagem diferente, através dos quadrinhos o drama dos judeus europeus é mostrado, através de figuras onde os judeus são ratos (“ maus”, em alemão) e os nazistas são os gatos.
Vivemos tempos difíceis. Deste modo em janeiro de 2022 uma cidade do estado de Tennessee, nos Estados Unidos, censurou Maus da lista de leituras recomendadas para os alunos da oitava série de todas as unidades da rede municipal a ganhadora do prêmio Pulitzer em 1992. Na ocasião, o autor Art Spiegelman chamava atenção da seriedade deste tipo de censura. A atitude foi vista como reflexo do racismo da extrema-direita, que também vem banindo obras sobre a escravidão negra e sobre temáticas LGBT, sobre latinos ou ciganos.
Nas últimas semanas vem tomando corpo uma estranha alegação nas redes sociais, sobretudo no Twitter a discussão de que a menina assassinada pelos nazistas, sim Anne Frank, tinha “privilégio branco”. Esta estranha ideia vem sendo patrocinada por setores ligados à extrema-esquerda.
Ora, os judeus europeus, independentemente da cor de sua pele, não eram vistos como “brancos” o bastante e por isso desde o século 19, sofriam por serem “semitas”. Antes deste século a perseguição era por serem “israelitas”, “povo da nação” ou “ gente de fé mosaica”. Ou seja, era o componente étnico-religioso que contava.
A partir da secularização de parte dos judeus no iluminismo (finais do século 18 e início do século 19), criou-se uma nova roupagem para a velha perseguição, perseguir os judeus com a desculpa de serem semitas, independente de sua aparência, branca ou não.
Assim se Anne não era branca ou suficiente por não ser “ ariana”, como diria qualquer nazista com seus estereótipos, o tal privilégio se manifestou com uma vida de perseguição e instabilidade na sua Frankfurt natal e depois em Amsterdam, onde viveu os últimos anos escondida e depois levada ao Campo de Morte em Bergen-Belsen para ser assassinada pela fúria nazi racista ?
O poeta judeu assimilado alemão Heinrich Heine (1797-1865) certa vez escreveu “Aqueles que queimam livros, acabam cedo ou tarde por queimar homens”. De fato, a inquisição criou sua lista de livros proibidos, o Talmud incluso, e em 1933 um dos primeiros atos dos nazistas foi estimular a queima de livros. Agora observamos um novo modo de queimar pessoas, com a nova face do antissemitismo, o antissionismo, manchar reputações com as máquinas de gerar fake news, o antissemitismo ganha nova força. Assim para ser Antirracista tem que ser também “Anti-antissemita”.
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